30.3.06

Política espetacular ou Pós-política?

O exercício universalizado do voto é um direito conquistado historicamente, como gostaria de afirmar o Norberto Bobbio, mas nada é tão doce assim. A contrapartida do exercício deste direito atualmente é legitimar a democracia espetacular, o sistema conservador do menos pior. O mais importante não é escolher dentre candidatos impostos com programas similares com maquiagens diferenciadas, mas ter o poder de escolher quem se quer escolher. Esse era o valor fundamental da democracia elitista do liberalismo clássico, mas que com o surgimento da democracia de massas foi deixado estrategicamente para trás, afim de evitar que candidatos populares com programas transformadores pudessem ser eleitos legitimados pelas regras criadas pelos próprios liberais. Hoje temos então a democracia técnica e o esvaziamento da esfera de discussão da Política. Os projetos com viés transformador são automaticamente excluídos por serem "inviáveis tecnicamente", como se a própria inviabilidade técnica já não fosse em si mesma fruto de uma ordem política. É disto que se trata e não de exercer direitos deturpados para se acreditar cidadão, quando não passamos de sujeitos em processo de objetificação pelo sistema capitalista espetacular.

24.3.06

Depois da luta vem a luta!


Depois de cerca de três anos de militância política, fui surpreendido por uma visão ainda mais profunda da realidade, somando-se a isso a desprezível experiência do governo Lula. Esses fatos fizeram-me distanciar do esquerdismo político tradicional. Mas uma vez consciente, a consciência persegue ad infinitum. Não é possível voltar ao estado disforme da massa, muitas vezes mais desejável do que a consciência que nos afasta de prazeres típicos da não-consciência. No máximo podemos esconder nossa consciência atrás de um inconsciente artificial, projetado para este fim e sobre o qual tentamos construir um novo consciente. Mas quando menos esperamos o antigo consciente nos dá uma mordida.
Apesar da manutenção involuntária da consciência é-me difícil enxergar alternativas políticas coletivas na atual configuração social. E aqui uso a ajuda de Nietzsche, para o qual todo empreendimento social é feito "do esterco sujo", ou seja, dos homens.
No entanto fiquei pensativo com a história do grupo Facção Exército Vermelho (Baader-Meinhof ou RAF), na Alemanha dos anos 70 e 80. "Quem não luta morre a prazo" é a expressão do pensamento dos integrantes deste grupo guerrilheiro-terrorista. O RAF lutava pelo socialismo em um contexto de guerra-fria, onde, mesmo com stalinismo e tudo, a revolução parecia estar às portas, aparentemente referendando a inevitabilidade comunista da qual Marx falava no Manifesto e não só nele. Suas táticas eram brutais e talvez até espetaculares, mas a determinação na luta pela liberdade os diferenciava de qualquer outro grupo guerrilheiro conhecido, pois lutavam coletivamente pela libertação individual. Também não aderiram ao messianismo das vanguardas proletárias que lutavam para libertar a classe em-si alienada, mas adentravam no aparato estatal e davam continuidade a estrutura de privilégios e desigualdade. O RAF lutou obstinadamente até o ano de 1992, quando, sem lastro de utopia devido ao fim do socialismo real, decidiram que o grupo não mais tinha razão de ser, pediram anistia ao Estado burguês em nome da deposição das armas e foram cada um cumprir o seu destino.
Fiquei pensando no processo como um todo: a alienação, a consciência, o desespero, a tática e o ceticismo. Lembrei-me de outra palavra de ordem do RAF, que parece ser uma atualização existencialista do "Proletários de todo o mundo, uni-vos": "Que todos os desesperados se reúnam! Aqui termina o desespero e começa a tática!" A tática, contudo, resultou em nada (ou pouco). Enfim, encontrei abrigo no Fernando Pessoa (Álvaro de Campos, pra ser mais exato): "Estou cansado, pois a certa altura a gente tem que estar cansado!". Parece que o processo se completou também para mim. Tá na hora do eterno retorno!

17.3.06

O Efêmero Fim de Todas as Coisas

Acabou-se o Amor
E o Ódio

Adeus à Esperança
E à Descrença

O fim do Ser
E do Não-Ser

Não há música lá fora
Tampouco silêncio

No fim restamos eu
E o mundo inteiro

12.3.06

Pio

Noite
Mas dentro da noite Madrugada

Vida
Mas dentro da vida Morte

Descanso dos Injustos
Aflição dos Justos

Gira, mundo
Mas gira devagar, pra eu não ficar tonto

9.3.06

O fim da inocência


Eis que nasceu há pouco tempo o bebê que levou o mundo a atingir o número exato (não há engano... o número é exato!) de 6.500.000.000 de parasitas humanos na superfície terrestre.
Com tão inusitado fato me chegando aos ouvidos quando estava ocupado coçando a região genital (não façam essa cara de "que baixaria!"... todos coçam suas regiões genitais), vi-me, de um repente, mergulhado involuntariamente em questionamentos existenciais. Afinal de contas, são 6.500.000.000 de pessoas... Quantas pessoas interessantes existem no mundo e que eu nunca saberei da existência? Quantos prováveis Marx, Nietzsche, Einstein morrerão analfabetos na África? Mas, quando sentia que me perderia nesses devaneios uma imagem me tocou... O bebê estava chupando bico! Tentei me lembrar de mim mesmo chupando bico, mas foi em vão. O máximo que consegui recordar foi da vez em que defequei nas calças na casa da minha avó.
O ser número 6.500.000.000 do mundo e já assim, derrotado, sem utopias, vencido pelo ceticismo. Este bebê, posso vos afirmar, já não acredita em mais nada: deus, cidadania, o mundo será melhor etc. Senti seu grito abafado de "não me venham com metafísicas!". Este pequenino ser, que nasceu ouvindo a história de que era nascido livre, que viveria em um mundo democrático, chegou a, piamente, acreditar nisto. Posso o imaginar em um dia de verão a se debater com os adesivos da fralda (sua mão não tem muita coordenação ainda), pois queria estar livre de manufaturas, livre das fraldas, queria simplesmente que um pouco de ventilação lhe chegasse no pequeno ânus suado. Não conseguiu tirar as fraldas. Mas sabia que havia uma instituição maior, mais poderosa e anterior a si mesmo que existia para lhe ajudar, para manter a democracia e garantir seus direitos. O Estado em seu estágio primeiro. Chorou por um bom tempo e em tom agudo como forma de reinvidicação frente a este aparato racional-legal. O Estado tentou lhe compreender: verificou as fraldas, mas estavam limpas; fome não era pois o bebê estava bem alimentado. O que poderia ser, então? Ah, imbecilidade do mundo inteiro! Será que não percebem que seres humanos são muito mais que suas necessidades fisiológicas? Tudo que o pequenino ser número 6.5000.000.000 do mundo queria era um pouco de ar na traseira! Mas o Estado não entendia sua linguagem. Não podia conceber que se reinvidicasse mais do que as necessidades fisiológicas. Não podia entender que ainda houvesse quem pudesse sonhar, por mais que fossem sonhos simples, como um pouco de ar na bunda em um dia de sol! A providência tomada pelo Estado foi fulminante: o bico! Cala-te, pequeno ser! Toma isto e dorme! Ali, naquele momento, o pequeno ser entendeu que só lhe restava tentar tirar o melhor proveito possível de sua ignóbil condição de dominado!

8.3.06

Santíssima Trindade

O ser humano é divido em três partes: executor, ator e criador.
Executor é aquilo que somos no mundo, o que fazemos cotidianamente, nossa identidade adquirida pela nossa própria história, nossa própria tradição. Até certo ponto somos o nosso trabalho, nosso emprego. Os desempregados são a identidade do não-emprego involuntário. Os vagabundos (ah, como os admiro) são a identidade do não-trabalho. Também somos aquilo que fazemos além do trabalho: nosso dormir cotidiano, as atividades fisiológicas básicas, o sexo, assistitir tv, conversar, beber com os amigos.
Ator é aquilo que somos para o mundo, a máscara que nos impomos. Somos, para aqueles com quem convivemos, as expressões e impressões mais ou menos controladas que queremos que os outros vejam. As primeiras máscaras nós escolhemos mais livremente, levemente induzidos pela nossa socialização primária, mas depois as máscaras grudam na cara, como diz o Fernando Pessoa. Com o tempo não somos capazes de dizer a nós mesmos que nosso Ator não coincide com nosso Executor. Mas no fundo sabemos disso, apenas não admitimos o auto-debate a respeito assim como a Igreja não ousa questionar seus dogmas.
Criador é aquilo que somos meta-mundo, os sonhos que sonhamos e na maioria das vezes não realizamos. Mas isso não significa uma concepção pessimista do Criador, apenas somos muito maiores que a realidade e esta não consegue abarcar todos os nossos sonhos. Quando pequeno sonhava em ser motorista de ônibus e até hoje meus irmãos riem de mim ao lembrarem disso. Mas o fato é que meu sonho então prescindia do dever de "ser alguém na vida". Eu sonhava em ser motorista de ônibus porque tinha um ônibus de brinquedo dado por meu pai, brinquedo o qual eu adorava. Queria dirigi-lo de verdade um dia... Não me importava se a sociedade exigia de mim um médico, advogado, ator da Globo ou político corrupto. Não! Eu queria era ser motorista de ônibus, do meu ônibus dado por meu pai...
Não importa se não realizamos nossos sonhos. No fim, eles são nossa redenção.

5.3.06

Retorno ao Inútil

Amanhã é a data previamente marcada do abate do gado que sou.
Amanhã retorno inexoravelmente à pobreza espiritual da Academia.
Amanhã será o fim do ócio não-criativo, o fim da curtição irresponsável, o fim da torcida louca para o circo pegar fogo.
Amanhã retorno ao esterco fétido e putrefato da condição metafísca da Universidade.
Amanhã não haverá mais o Felippe sujeito que gosta de cinema e de namorar.
Amanhã restará apenas o Felippe imbecilizado.
O Felippe Doutor.
O Felippe sem vida!

3.3.06

Deus

Pouco importam os questionamentos racionais à fé.
Quem crê é imune a eles e ainda os subvertem, tornando-os aliados da crença incondicional.
O homem tentou libertar-se do Desconhecido pela Razão.
Mas, no fim...
"Existindo ou não um Deus, seremos sempre seus servos".