7.5.06

Entre a revolução e a Coca-Cola

Ribeiro, Renato Janine. Política e Juventude: o que fica da energia. In: Juventude e Sociedade. Regina Novaes e Paulo Vannuchi (Orgs.). São Paulo. Fundação Perseu Abramo. 2004. (excertos)
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Nem todas as juventudes se distinguiram, historicamente, pela disposição a contestar o mundo em que nasceram. Esse é provavelmente um fenômeno moderno, assim se estendendo o período que vem desde a Revolução Francesa. A sensação ao longo do século XIX era que cada vez mais havia uma oposição entre o novo (liberdade, democracia) e o antigo (servidão, preconceito, mentira). Desde então, a juventude tem sido um valor importante. Lembremos que no século XVIII a nobreza usava perucas empoadas – isto é, os jovens faziam-se de velhos, portando desde cedo cabelos brancos; a partir da Revolução Francesa, contudo, ser moço passa a ser algo positivo. Ora, se para ser feliz é preciso que coincidam nossos desejos com a realidade, o que desde 1789 se tentará é não mais desistir dos desejos, mas modificar o mundo. (p. 22-23) A invenção e a inovação passam a ser prezadas e, com elas, a juventude. Não estranha, então, que fazer a revolução tenha sido, durante boa parte do século XX, uma das grandes vocações dos jovens. É certamente este quadro que dita nos últimos duzentos anos o papel da juventude. Uma certa fase da vida, quando já se saiu da infância e ainda não se entrou na fase marcada pelas exigências do casamento, da paternidade, da produção, desenha um espaço livre para a busca do próprio caminho e a contestação sistemática do que até hoje funcionou. Esses dez a vinte anos são assim fundamentais para cada um, na sua escolha do rumo a tomar na vida. Mas também constitui um importante fenômeno social, pois uma proporção significativa da população está sempre nesse limiar, nesse momento indeterminado de passagem. E essa parcela da população assume uma posição de proa, com um peso no conjunto das coisas que seu número não ditaria. É precisamente sua indeterminação que faz – ou fez – dela o emissor por excelência dos discursos alternativos. É também essa indeterminação que faz dela o destinatário por excelência das peças publicitárias. Sua posição pendular favorece, assim, tanto a emancipação como a subordinação. Isso quer dizer que desde metade do século XX os jovens são disputados por duas forças importantes e mais ou menos antagônicas: por um lado, a idéia da revolução, que se coloca à esquerda dos partidos comunistas, tidos como acomodados e conservadores, e, por outro lado, a publicidade e o consumismo. (p. 24) Jean-Luc Godard sintetizou bem essas duas vias ao chamar, em seu filme Made in USA, os jovens parisienses dos anos sessenta de “filhos de Marx e da Coca-Cola”. Na teoria elas se opões, mas na prática, na realidade, têm lugar inúmeras combinações. Se já nos anos sessenta isso era verdade, imagine hoje, quando se nota uma vitória do consumo sobre a política da esquerda revolucionária. Nossa publicidade vende, agora, a eterna juventude. O desejo é locado em pessoas jovens, de boa saúde e altamente sexuadas. Não saber o que se deseja, imaginar-se desejando o que na verdade não tem a ver com você: eis uma forma de ilusão tipicamente atual. É a terra de ninguém do desejo.

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