22.9.06

Quando é melhor calar-se

É difícil falar de algo quando não se tem nada a falar. No entanto há que se falar. Vivemos em um tempo em que falar, seja o que for, é imperativo. O silêncio incomoda. O silêncio não entretém. O silêncio é instante que alimenta a introspecção; que nos causa vergonha de olhar o outro e, por isso, nos faz olhar a nós mesmos. Mas o que temos para ver em nós mesmos? Verdade que nos identificamos enquanto eu a partir da visão do não-eu, ou seja, do outro. Mas é no momento de introspecção que esse eu formado em relação se identifica a si mesmo. Mas esse momento de introspecção nos é hoje doloroso. Quando estamos a sós no mais absoluto silêncio tratamos logo de ligar a televisão ou o aparelho de som em vista de abafarmos a nossa “essência” que poderia aflorar a qualquer momento. Inventamos algum barulho para nos levar para longe de nosso ser inconsciente. Passamos, dessa forma, a conformarmos nossas identidades a partir do que fazemos: daquilo que somos especialistas no mundo do trabalho; daquilo que ouvimos ou dos gêneros de filmes que assistimos; daquilo de que preferimos nos alimentar; daqueles com os quais preferimos manter relações sexuais etc. No entanto, nossa maior riqueza não está naquilo que fazemos, mas naquilo que sonhamos, mas que os constrangimentos naturais da vida em sociedade não nos permitem realizar na íntegra e que são agravados por um modo de vida social que nos faz sentirmos envergonhados de estarmos a sós consigo mesmos. Os momentos de absoluto silêncio e de solidão mortal já não são mais encarados como momento de apreender a si mesmo em seu íntimo, como na era pré-tv, ou melhor, na época em que a ênfase social se dava mais na produção do que no consumo. Na época do consumismo do entretenimento, o silêncio é abafado por um produto qualquer. Daí que o silêncio não seja mais tolerado nas relações sociais e que cause mal-estar quando as pessoas estão interagindo. Perdemos a capacidade contemplativa. Nos tornamos seres ávidos de consumir uma palhaçada qualquer, contanto que ela nos entretenha, nos tome o nosso tempo livre, nos livre do pesadelo de nossa própria liberdade. E, no entanto, valorizamos a nossa liberdade de poder sintonizar a Piatã FM ou a Itaparica FM. Eu, do meu lado, vou me calando por aqui...

(postado originalmente aqui)

17.9.06

Máscaras

Todos precisam de máscaras

E é por precisar delas que as amam

E a isso chamam covardemente de EU

Enquanto isso o EU dorme profundamente

Alheio a toda a realidade

9.9.06

A vida desperdiçada

A vida desperdiça-se durante o sono
No entanto quereria eu dormir a vida inteira...

Tragam-me uma dose de café quente
Pois já não quero mais dormir
Quero antes resistir bravamente ao sono até quedar-me sobre o chão
Onde jazem todos os sonhos

Oh, sono de vida!
Vontade imensa de Ser que transubstancia-se no absoluto não-Ser
Quereria eu dormir
Mas já não é mais possível...

Resta-me, acordado, sentir todas as dores do mundo
E nelas encontrar prazer
Com a leve esperança de que um dia o sono virá
Pois sempre vem...
Irremediavelmente vem...
Sempre dormimos como um bebê ao fim da nossa jornada existencial

3.9.06

Da doença social

Estudando Foucault encontramos uma modernidade na qual o Sujeito emergiu. As cadeias do Ancién Régime foram quebradas e o indivíduo pôde, enfim, viver o seu Ser verdadeiro. É verdade que este autor também tratou longamente das novas formas que a modernidade encontrou para efetivar o controle social, mas este seria um controle diferenciado, onde o indivíduo mantém parte de sua autonomia. Baboseiras como essa também foram compartilhadas por pessoas de bem, como o Sartre. Para este, a liberdade de escolha do indivíduo seria total. Todo o Ser seria responsabilidade do próprio Ser, pouco importando os constrangimentos externos à ação, pois, para Sartre, “não importa o que fazem de mim, mas o que eu faço do que fizeram de mim”.

Lendo Baudrillard, no entanto, vemos o outro lado da moeda. Em seu livro Esquecer Foucault este autor desconstrói a ilusão da autonomia e do surgimento do indivíduo, afirmando que a modernidade não foi marcada pelo surgimento deste, mas apenas pelo surgimento da ilusão deste. A autonomia individual propalada pelos grandes teóricos clássicos do liberalismo seria apenas parte da legitimação ideológica de uma configuração social marcada pela dominação da maioria pela minoria e pela homogeneidade da experiência existencial. As diversas formas possíveis de levar a própria vida não decorrem da criação e da autenticidade do ser e estar no mundo, mas apenas da liberdade de escolher dentre as formas disponíveis de experiência. Mais ou menos similar ao que acontece em um supermercado: os carrinhos das diferentes pessoas estão cheios de diferentes mercadorias, mas estas, por sua vez, foram disponibilizadas antecipadamente. Como são diversas as possibilidades combinatórias dentre as mercadorias possíveis, cada carrinho terá uma composição diferente. A isso chamamos autenticidade individual! No plano social, as combinações são inúmeras e podemos sobrepor diversas identidades toleradas pelo sistema para conformarmos a nossa individualidade. Exemplo: estudar administração na UCSal; ouvir música clássica; ler Dostoievski, Paulo Coelho e revista Contigo; beber e fumar; ser católico não-praticante, mas freqüentar o espiritismo; ir para a Choppada de Medicina da UFBA e Tom Zé na Concha etc. Outro exemplo: estudar administração na UCSal; ouvir axé e MPB; ler Paulo Coelho e revista Contigo; beber; ser católico praticante; ir para a Choppada de Medicina da UFBA e detestar Tom Zé. Tudo dentro dos limites dos modelos de Ser oferecidos pelo mercado da existência. Algumas vezes pode ocorrer das individualidades conformadas se tornarem demasiado distantes uma da outra e isso acarretar na impossibilidade do diálogo. Por exemplo, uma pessoa da tribo punk e outra da tribo do arrocha. Mas esta diferenciação brutal é tão brutal quanto um carrinho de supermercado com laranjas e bananas e outro com sabão em pó e água sanitária. Como se diz, não se pode comparar cachorro com banana.

Assim, vamos glorificando o capitalismo e a modernidade por nos permitir sermos nós mesmos (sic). E o que eram as pessoas sob o Feudalismo? As pessoas sempre são elas mesmas, respeitados os limites da estrutura social da época. Contudo, apesar da visão catastrofista apresentada no parágrafo anterior, acredito que as configurações sociais podem ser modificadas historicamente, como efetivamente o são, sempre de maneira inconsciente e não-linear. Também acredito que o Sujeito exista, com seus sonhos e sofrimentos. Então, este sujeito colonizado (como todo ser humano dentro de uma ordem social), diante da possibilidade da mudança social, pode ser um dos diversos agentes de transformação do seu círculo existencial e até mesmo da estrutura social. A transformação, contudo, nunca será a objetivação de sua vontade, mas a síntese oriunda das lutas travadas em prol dos mais variados projetos sócio-históricos e existenciais. Por não ser linear, a mudança também pode ser para uma configuração ainda mais opressora e castrante. De fato, ao longo do capitalismo, é possível verificarmos diversos momentos em que o nível de liberdade foi mais estendido. Hoje, contudo, verificamos uma subordinação de todas as lógicas sociais à lógica do mercado. Se o movimento histórico continuar nesta direção, dentro em breve poderemos nos referir à civilização ocidental como sociedade simples, em vista de seu alto nível de homogeneidade (onde a individualidade se restringe ao tipo de consumo adotado) e consciência coletiva (consumista). Em outros tempos (olha a nostalgia), pelo menos os campos da arte, da educação e produção de sentimentos e pulsões ainda não estavam colonizados pelo mercado. E se o indivíduo nunca será livre como pensava Sartre, pelo menos havia certos espaços restritos para o exercício da liberdade vigiada. Hoje há o consumo espetacular. É esta a doença social: caminhamos alegremente à homogeneização mais brutal acreditando estarmos realizando um projeto individual, quando estamos apenas recusando a possibilidade de executarmos projetos diferentes dentro da mesma sociedade, uma vez que o único projeto hoje é o do consumo. Talvez a liberdade sartreana tenha escolhido a não-liberdade. Resta-nos viver a doença e esperar que a cura algum dia esteja à venda nas farmácias...

1.9.06

Palavras do eterno agora (título meu)

qualquer coisa dita agora é silêncio.
qualquer desabafo agora é grito.
qualquer amor agora é saudade.
qualquer abraço agora é consolo.
qualquer choro agora é vão.
qualquer certeza agora é sonho.
qualquer foto agora é passado.
qualquer presença agora é ausência.
qualquer segredo agora é nosso.


Emanuelle Maia
(grande amiga minha)