12.10.06

Da dignidade humana


À Tássia Camila


Depois de uma cansativa aula, dirigia-me com andar pesado por sobre as ruas repletas de pessoas. A movimentação era-me completamente indiferente e o único pensamento consciente que me perpassava era de que deveria chegar logo à casa de minha tia. Foi, então, que a visão de um senhor de classe média (alta, talvez) me chamou a atenção. Ele alimentava os pombos ostentando um doce olhar e uma alma leve. Aproximei-me curiosa. Demonstrando sua amabilidade também para com os seres humanos ele puxou assunto comigo: “a natureza é perfeita”. Disse adorar o arrulhar dos pombos e que adorava também os peixes, principalmente os de água salgada, que têm a liberdade de navegar pelos mares. Deleitava-me com a conversa. Não percebi terem se passado dez minutos. A praça continuava sua vida normal, com seus vendedores de pipoca e picolé, crianças a brincar, adultos apressados se dirigindo de um ponto qualquer a outro, também, qualquer – e que só não faziam o trajeto em linha reta porque árvores incômodas lhes atravessavam o caminho - e um varredor trabalhando para a limpeza do que outros novamente sujarão. Daí apareceu outra figura citadina – bastante incômoda à sensibilidade burguesa: um mendigo. Ele se aproximou do senhor dos pombos e pediu um cadinho do milho para si – peripécias da fome. O tão amável senhor mudou tão imediatamente a fisionomia a ponto de me surpreender. De cara emburrada tirou um punhado de milho e doou sem olhar o traste inumano que ousava ter fome e incomodar aqueles que não a sentem. Como que pressentindo um grave perigo ou, talvez, devido ao imenso asco, o senhor dos pombos me puxou para longe a fim de me colocar em uma segura distância daquilo que a nossa sociedade civilizada repugna. Ele nem sequer se virou uma vez mais para ver o mendigo. Mas eu, como sempre curiosa e meio atônita, o fiz. Surpreendi-me com a visão do mendigo sentado em um banco da praça, sereno, a alimentar os pombos.

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