17.11.06

Sempre amores. Jamais amor.

Engraçado, o processo do enamoramento. Lá estava a pessoa bem, com sua vida normal, com seu cotidiano e seus costumes. Outra pessoa, que a primeira não conhecia nem sabia da existência, também tinha sua vida normal, com seu cotidiano e seus costumes. Por acaso (e o destino resume-se ao acaso acontecido) elas se encontram em um cotidiano qualquer. Passam despercebidos um do outro. Um é uma pessoa qualquer, como vemos centenas todos os dias. Outro, também é um qualquer e conta-se às centenas. Mas digamos que a freqüência de contato torna-se constante, devido ao posicionamento social coincidente de ambos (colegas de escola, faculdade ou trabalho; vizinhos; co-parentes etc). Um dia acabam se encontrando de uma forma que exige comunicação verbal olá? tudo bem? tudo e você? eu também. me chamo... e eu... prazer. foi todo meu. até. até. Aí a comunicação verbal formal passa a ser constante. Constante. Constante. Constante. Constante. Água mole em pedra mole tanto amola que um dia emula. (Talvez o ditado não seja assim. E que vá pro diabo com o ditado!) Um dos dois acaba, em um momento de cessão à Freud, reparando em outras qualidades no outro-interlocutor do olá? tudo bem? tudo e você? eu também. me chamo... e eu... prazer. foi todo meu. até. até. Não é que o outro é lindo? Passa o tempo. Devido a algumas conversas... E inteligente. Mais algumas. E simpatissíssimo. Só mais algumas, prometo. Gamou. Quem sabe com o outro não se deu o mesmo processo. Em um momento de cessão à Freud, o ser já desejado, repara em outras qualidades no outro-interlocutor do olá? tudo bem? tudo e você? eu também. me chamo... e eu... prazer. foi todo meu. até. até. Não é que o outro é lindo? Passa o tempo. Devido a algumas conversas... E inteligente. Mais algumas. E simpatissíssimo. Só mais algumas, prometo. Gamou. Lá está o potencial par romântico. As aproximações são agora permeadas por estratégias inconscientes e conscientes de cunho erótico. O corpo libera substâncias que invocam o sexo almejado. O perfume de R$ 56,90 impede que o desajeitado faro humano cumpra sua missão. Mas o contato segue. Em moldes mais simbólicos, uma vez que o bicho-homem não leva jeito pra ser bicho-bicho. Ai, meu Deus! Enquanto falava em bicho-bicho-bicho-bicho, os dois, olhem lá!, já trocaram telefones, MSN, orkut, youtube, fotolog, blog. Fim de expediente na sexta. Chuva. Quer uma carona? Te levo até o ponto. Aceito, caso contrário não chego em casa hoje. Não chegou. Do bar, foram pra um motel, bem ao lado. Amanhã festejam um mês de namoro. E é assim que as coisas vão acontecendo. As pessoas vão chegando em nossas vidas e vamos nos apaixonando por elas. Muitas outras poderiam ter aparecido, mas não apareceram. Foi ele. Foi ela. E pronto. Era o destino!, dizem. Mas as coisas podem ter outro formato também. Imaginem que o cara desejasse ela profundamente. Um dia, no elevador da faculdade se encontram. Ela, que já o conhecia de olá? tudo bem? tudo e você? eu também. me chamo... e eu... prazer. foi todo meu. até. até., puxa assunto. Meu Deus! Logo hoje. Ele, de ressaca, não pode abrir a boca, sob risco de vomitar em cima dela. A cada frase dela ele apenas acena com rosto nitidamente artificialmente sereno. Não diz nada. Pi. Elevador no destino. Ambos saem. O cumprimento dela já é frio. Cada qual para seu lado. Ela pensa que cara chato! esnobe! A relação entre ambos se altera. Nada nunca rolou entre os dois. O amor potencial esvaiu-se no ar. Maldita ressaca! Contudo, se ele percebeu que perdeu uma garota, entretanto, nenhum dos dois percebeu que perderam um amor. Hoje um comemora um mês de namoro com Lili (do poema Quadrilha do Drummond). Outro tem um encontro marcado com um par pelo qual está perdidamente apaixonado (o J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história, do mesmo poema). Assim vai o amor. Esta idéia central da modernidade. Amores eternos que, como dizia o poeta, duram apenas enquanto duram. Amores que, potenciais, nunca se concretizam. Amores que seriam, mas não serão. Amores que foram e impediram outros. Sempre amores. Jamais amor.

2 comentários:

André Ucci disse...

mto massa
parebens

Unknown disse...

Amores sim, amores não. Amores que vem e outros que vão. Texto ótimo, blog ótimo, bela constatação. Não, rimar não era minha intenção.