16.7.06

O bicho – Possibilidades emancipatórias

Bichificação é um processo recorrente na humanidade, através do qual as massas se tornam massas e as elites permanecem elites. O homem-bicho é o ser cotidiano: raso, mas homem. Mas seria este argumento suficiente para promover a contemplação passiva ao nível de ideal a ser buscado em nome de um realismo inquestionável acerca da condição ontológica do ser? A ilusão racional-iluminista não nos deixou nenhum legado a ser conservado? E como a bichificação afeta o mundo da vida cotidiana? Não seria possível subverter o processo a partir desta esfera? Não se trata de substituir a sociedade dos homens-bicho pela comunidade platônica de filósofos, mas apenas de fazer dos homens-bicho homens-dançarinos, deslocando a proposta nietzscheana de seu caráter eminentemente aristocrático.

A história do século XX, a era dos extremos para Hobsbawn, serve-nos como paradigma do Abismo do qual Nietzsche nos avisava, estando de um lado a Fera e do outro o Além-do-Homem. Se, para além da esfera individual, transpomos este modelo para a configuração social, enxergamos a Fera enquanto totalitarismos, taylorismo/ fordismo, indústria cultural etc e o Além-do-Homem enquanto a utopia libertária que, por uns momentos, esteve ao alcance das mãos. Deste modo, por mais que a bichificação, segundo Schumpeter, mas não com estas palavras, seja ontológica à organização de sociedades complexas, existem níveis ou gradações para esta situação. Já se viveu uma época em que filmes de massa eram Casablanca e Histórias Extraordinárias (Poe by Fellini). O que, então, me faz contentar com Garfield e Independence Day? O nível (mediana, desvio-padrão etc) de bichificação na contemporaneidade pós-tudo é um exagero da condição humana elevado ao status de inescapabilidade. Apesar das visões catastrofistas baudrillardianas, podemos recuperar Nietzsche e Sartre para demonstrarmos a possibilidade fenomenológica da resistência. E ao ocorrer esta resistência individual à imbecilização coletiva, uma possibilidade social é também vislumbrada, pois se por um lado Lévi-Strauss está correto em suas afirmativas, também podemos nos apoiar em Marx: “os homens fazem a história tanto quanto esta os faz”. E é aí que a afirmação de Gramsci, já postada neste blog, adquire seu mais pleno sentido...

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