24.7.06

Um pouco do pensador marginal Guy Debord



A crise atual da vida quotidiana se inscreve nas novas formas de crises do capitalismo, formas que passam desapercebidas por quem se obstina em calcular em função do vencimento clássico das próximas crises cíclicas da economia.

A desaparição de todos os antigos valores, de todas as referências da comunicação anterior ao capitalismo desenvolvido, e a impossibilidade de substituí-los por outros, quaisquer que sejam, sem conseguir previamente o domínio racional, tanto na vida quotidiana como em qualquer outro lugar, das novas forças industriais que cada vez mais escapam mais a nosso controle; estes fatos não só engendram a insatisfação quase oficial de nossa época, insatisfação particularmente aguda na juventude, mas ainda mais no movimento de auto-negação da arte. A atividade artística sempre foi a única que prestou contas dos problemas clandestinos da vida quotidiana, mas de uma maneira oculta, deformada, parcialmente ilusória. Diante de nossos olhos, já existe o testemunho de uma destruição de toda expressão artística: é a arte moderna.

Se consideramos em toda sua extensão a crise da sociedade contemporânea, não parece que o tempo de ócio pode ser considerado ainda como uma negação do quotidiano. Admitiu-se aqui a necessidade de "estudar o tempo perdido". Mas vejamos o movimento recente dessa idéia de tempo perdido. Para o capitalismo clássico, o tempo perdido é o tempo exterior à produção, à acumulação e à economia. A moral laica que se ensina nas escolas da burguesia implantou essa norma de vida. Entretanto por um ardil inesperado, o capitalismo moderno necessita acrescentar o consumo, "elevar o nível de vida" (tendo em mente que esta expressão carece rigorosamente de sentido). E dado que, ao mesmo tempo, as condições de produção, compartimentada e cronometrada até um grau extremo, se tornaram completamente insustentáveis, a moral que já abriu passagem na publicidade, na propaganda e em formas do espetáculo dominante, admite francamente que o tempo perdido é o tempo de trabalho, que já unicamente se justifica pelos diversos graus de lucro que procura, o qual permite comprar o repouso, o consumo, o tempo de ócio - ou seja, uma passividade quotidiana fabricada e controlada pelo capitalismo.

Nos perguntam: a vida privada está privada de que? Muito simples: da vida, que está cruelmente ausente. Estamos privados de comunicação e da realização de si mesmos até os limites do possível. Dever-se-ia dizer: privados de fazermos pessoalmente a própria história.


Guy Debord
Trechos de "Perspectivas da transformação consciente da vida cotidiana"

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